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Volta, Anima Mundi! Por obséquio.

*Bruno H Castro é roteirista premiado e escreve e dirige a animação em 2D do dedo "Tubaroa", seu próximo projeto.

Nunca fui bom em imagem, fazia, no sumo, uma casinha básica com árvore e serra com sol. Às vezes, na escola, desenhava cachorrinho também, daqueles que surgiam de um repto em que o coleguinha escrevia as letras maiúsculas C e U, pedindo que você fizesse da vocábulo o bicho: o C se tornava o venta e o U, a ouvido, coisa infantil, tinha um quê de ilícito nisso. Sempre fui das palavras, escrevia bastante, lia muito mais. Mas sonhava ser ator, fazer filmes. Foi portanto, dessas coisas rápidas da vida, que me peguei adulto e esses universos se uniram: caí, fui disposto no cinema de animação e roteirizei meu primeiro curta, a trova "Guida", que escrevi com minhas parceiras Tiago Minamisawa e – minha primeira mestra – Rosana Urbes, bruxinha que dirigiu o filme. Depois foi "Sangro", que escrevi e dirigi com o Tiago, com codireção do Guto Br. Aí veio "Pela Vida Inteira", com Daniel Munduruku uma vez que protagonista e Lili Fialho uma vez que codiretora. Esse ano tem "Kabuki", dirigido pelo mesmo Tiago, que faço produção executiva e consultoria de roteiro. E ano que vem deve estrear "Tubaroa", amém, que escrevi e vou guiar – adivinhação com quem – também com o Tiago, meu grande parceiro artístico (buscamos patrocinadores, por sinal). A Marisa Orth será a personagem-título e o Kelner Macêdo será o Pescador. Tudo isso para expor que me descobri na animação: grafar filme de imagem entusiasmado é libertador. A gente pode tudo. Literalmente. Se gosta de grafar, quer ser roteirista, indico que comece por aí.

Não sei se você sabe da nossa grandeza, mas o cinema de animação brasílio é um dos melhores do mundo. Grande exemplo desse sucesso foi a indicação de "O Menino e o Mundo" ao Oscar de melhor filme de animação em 2016, competindo com "Divertida Mente" (Disney/Pixar), que levou o prêmio. E essa foi a última indicação do Brasil na premiação. Antes disso, Carlos Saldanha já se destacava na direção de "Rio" e da trilogia "A era do gelo". Outro ponto importante foi a homenagem que os nossos profissionais receberam em 2018 no Festival Internacional do Cinema de Animação de Annecy, uma espécie de "Oscar galicismo da animação": o Brasil foi o foco da edição. "Queremos mostrar uma vez que o país é uma poderosa manadeira de originalidade, mostrar uma vez que os animadores brasileiros beberam fundo nessas águas para estabelecer uma frase inusitada e marcante", lê-se no texto "Honor to Brazilian animation" em que a organização anunciou as homenagens. E os longas "Uma história de paixão e fúria", de Luiz Bolognesi, "O Menino e o Mundo", de Alê Abreu, e "Bob Cuspe", de Cesar Cabral, também foram premiados nos últimos anos do festival. Estive em Annecy em 2015 com "Guida", ganhamos o Prêmio Jean-Luc Xiberras de Primeiro Filme e o Prêmio do Júri Fipresci. Foi um sonho, posso descrever dessa viagem em outra oportunidade: sarau no palácio, autoridades francesas, os maiores ídolos do animação, champanhe e um comprimido de THC. Mas voltando. Estive de novo em Annecy com "Sangro" em 2019.

O veste é que a nossa mão de obra criativa, o fator humano é o que qualifica o cinema feito por nós. Nosso diferencial é o poder artístico de cada pessoa que trabalha nessa indústria pouco valorizada, mas resistente. E longe de romantizar a dificuldade que é produzir um filme no Brasil: é muito difícil! Muito mesmo! Mas não deveria ser: falo de uma arte que nos orgulha tanto, que emprega tanto e que poderia crescer muito mais se tivéssemos suporte. Prova disso era o Anima Mundi. É um contraditório uma das maiores referências do planeta ter deixado de viver devido à falta de patrocínio desde 2019. O festival é o maior promotor da arte da animação no Brasil (e nosso "Sangro" foi – salvo ilusão – o último brasílio premiado uma vez que melhor curta vernáculo em São Paulo, uma honra). Boatos de que voltaria. E torço para isso. Continuando. A animação brasileira é feita de gente: Rosana Urbes, Alê Abreu, Carlos Saldanha, Rosária Moreira, Marão, Camila Kater, Luiz Bolognesi, Valentina Varão, Otto Guerra, Cesar Cabral, Nara Normande, Binho Feffer, Gustavo Kurlat, Quiá Rodrigues, Aída Queiroz, César Coelho, Marcos Magalhães, Léa Zagury, a lista é grande e inclui Tiago Minamisawa e Bruno H Castro. Quis substanciar pois sempre me sentia (não mais) peixe fora d'chuva nesse mar de originalidade. Pudera. Um questionamento que me trouxeram quando entrei nesse universo foi: você não desenha, não é animador, uma vez que vai guiar? Outra taxa interessante que também já me rodeou foi: animação é técnica ou é gênero? Eu não tenho respostas. Mas sigo pesquisando. Sou fanático da arte, faço cinema, escrevo e dirijo filmes, logo animação é meu instrumento perfeito de realização artística. Estou me alongando, sensação de querer abraçar o mundo nesse primeiro texto. Por isso, pra fechar, vou ao que interessa: volta, Anima Mundi! Por obséquio. Saudade.

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